17 de março de 2009

NO CORREDOR DA MORTE.

COLUNA DO ELIAS PINTO (DIÁRIO DO PARÁ, 17-03-2009)

Recebi e dou à divulgação a carta que segue, da leitora Leila Rosa Palheta.
"Caro Elias, no domingo (15/03), precisei dos serviços do Pronto-Socorro da 14 de Março. Minha irmã, infelizmente, caiu da escada, chamou o Samu (192) e eles resolveram levá-la para lá. Isso me deixou muito preocupada. Ao entrar no HPSM, me deparo com várias pessoas em macas espalhadas pelo corredor, que não era mais corredor, era uma enfermaria improvisada, onde homens, mulheres e crianças dividiam o mesmo espaço: uns gemiam, outros gritavam de dor, mães abanando seus filhos, seus maridos, assim como eu estava lá com minha irmã, perdida no meio do sofrimento, da dor, da insensibilidade de alguns funcionários. Após a avaliação médica, fomos encaminhadas para o raio X, outro martírio. Apesar dos problemas, foi a única equipe, naquele plantão, sensível à situação de minha irmã. Ao entrar no setor de raio-X me deparo com infiltrações e baldes pelo chão para aparar a água que teimava em cair do telhado, sem contar que antes ficamos mais de uma hora esperando uma maca que tivesse rodinha para conduzi-la, uma vez que com o impacto da queda ela não podia se locomover. Após discussão com as enfermeiras, o médico do trauma resolveu, ele mesmo, ir atrás de uma maca com rodinhas, já que o maqueiro havia sumido. Esse médico, cujo nome não recordo, também foi muito sensível e atencioso. Tivemos de ficar no HPSM, pois minha irmã havia fraturado a clavícula e sentia tontura. Seria o início de uma noite marcante em nossas vidas. Perguntei ingenuamente ao médico: `Tem leito, doutor?'. Com a calma que é própria daqueles que trabalham na área de saúde, ele disse que não. Deduzi o óbvio, ela ficaria na maca, como tantos outros, tão graves ou mais graves que ela. Fomos para a sala de imobilização. O rapaz que fez a imobilização mal olhou em nossos olhos, era como se ele estivesse com pressa e nós, pacientes, atrapalhando o trabalho dele. E voltamos para o corredor do sofrimento. Como ela não foi medicada, retornei ao médico e solicitei uma medicação. Ele pediu ao enfermeiro para aplicar duas injeções. O enfermeiro, sem nenhuma cerimônia, disse que seriam aplicadas nas nádegas, na frente de homens, de pacientes, de crianças, de funcionários. O constrangimento tomou conta da minha irmã. Para aliviar a situação resolvi, com o lençol, improvisar uma parede, e assim ela tomou as duas injeções, sem nenhum tipo de preocupação por parte do enfermeiro, uma vez que é comum todos ficarem amontoados por lá, sem nenhuma privacidade, mulheres ficam com seus corpos expostos aos olhares de todos, homens ficam nus aos olhares de todos, inclusive das crianças que estão no corredor. Isso é uma das várias irregularidades que os pacientes passam naquele local. Em seguida, com muito esforço, minha irmã voltou à posição normal, deitou com a clavícula fraturada numa maca dura e velha e eu sentei no chão, já que não tinha cadeira para os acompanhantes, e fiquei ali observando a rotina do sofrimento das pessoas que chegavam. Mas o pior ainda estava por vir. A noite chegou e com ela o aumento de pacientes, geralmente, vítimas de roubo, acidente de moto. Já tinha paciente dividindo a mesma maca. No meio da madrugada, caiu uma chuva. Quando me espanto, a água invade o HPSM, que ficou no fundo, com servente de limpeza tentando conter a invasão, baldes espalhados por todo o canto para receber a água do telhado, paredes infiltrando e formando aquele cheiro de mofo que se misturava ao de sangue. Às seis horas da manhã de hoje (16/03) outra chuva, a água entrava sem pedir licença e novamente os incansáveis serventes já estavam limpando, distribuindo baldes por todos os cantos. Passei a noite aqui, desde as 13h de 15/03 até as 8h de 16/03. Presenciei mãe chorando pelos seus filhos, pessoas sangrando, fiquei de cara com a morte, no corredor da morte, presenciei o total descaso com o ser humano, chorei, me revoltei. Todos temos direito à saúde, a atendimento médico digno, mas não foi isso que presenciei. Pessoas ficam amontoadas me cima de macas precárias, enferrujadas, uma grande parte dos profissionais desqualificados, sem nenhuma humanização, em um local sem condições de funcionamento. A falta de gestão é evidente, o prefeito tem sim que ser responsabilizado pelo caos que virou a saúde pública. O sistema de saúde está em coma. Mas também é verdade que grande maioria dos funcionários que ali desenvolve sua atividade é irresponsável e sem condições de atender as pessoas que chegam em busca de socorro. É necessária, sim, uma CPI para apurar as irregularidades, mas também há necessidade de avaliação de cada profissional lotado no PSM da 14 de Março, do porteiro ao diretor. Não se pode permitir que o Pronto-Socorro do município se transforme em necrotério. Leila Rosa Palheta ­ Icoaraci."

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